Acusada de desviar milhões da Unicamp transferia verba para conta pessoal: “Eles sabiam”
No campo penal, Ligiane foi formalmente denunciada e agora responde judicialmente por peculato e lavagem de dinheiro

Um depoimento prestado em março por videoconferência, diretamente do exterior, lançou nova luz sobre o caso que envolve desvios de milhões de reais em verbas de pesquisa na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A ex-servidora Ligiane Marinho de Ávila, apontada pelo Ministério Público de São Paulo como figura central no esquema, afirmou que atuava com ciência e, em muitos casos, a pedido direto de docentes da instituição.
Na conversa com a Promotoria, obtida pela EPTV, Ligiane admitiu que valores expressivos — cerca de R$ 5 milhões — realmente foram transferidos para a sua conta bancária. No entanto, ela rebateu a tese de que teria se apropriado indevidamente do total.
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“Esses valores que falam que eu desviei realmente foram para a minha conta. Só que e tudo que eu paguei deles [pesquisadores]? Do jeito que estão falando parece que eu não paguei nada deles. Eles não estão olhando isso. Eles [pesquisadores] sabiam que eu jogava na minha conta para facilitar os pagamentos”, declarou a ex-funcionária da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp), entidade ligada ao Instituto de Biologia.
Com tom de indignação, ela reforçou que sua conduta foi exposta de forma desproporcional:
“Do jeito que estão falando, parece que eu estou nadando em dinheiro, que eu saí com R$ 5 milhões embaixo do braço, ou na minha conta, e não foi nada disso”.
A investigação tramita nas frentes cível e criminal. No campo penal, Ligiane foi formalmente denunciada e agora responde judicialmente por peculato e lavagem de dinheiro. Já na esfera cível, o Ministério Público aguarda a instauração de uma nova sindicância pela Unicamp para apurar se houve omissão ou conivência por parte dos professores.
Com mais de uma década de atuação na Funcamp, Ligiane relata que era procurada constantemente por pesquisadores que solicitavam manobras em documentos e notas fiscais para justificar despesas não compatíveis com o uso da verba da Fapesp.
“Pediam para eu mascarar orçamentos, fornecedores. Tinha outros dois funcionários, mas gostavam de mim porque eu sempre dava um jeito. Vinha nota riscada, rasurada, e eu tinha que resolver. Enquanto eu estava ajudando, estava tudo certo, quando veio a paulada, veio só em cima de mim. (…) Eu olhava o valor faltante que tinha de nota fiscal e emitia notas aleatórias. Mas eu nunca omiti nada, todo mundo sabia o que eu estava fazendo”, disse.
Segundo a ex-servidora, a fim de agilizar pagamentos, ela chegou a registrar uma empresa em seu nome. Ligiane também revelou que recebia cartões bancários dos próprios docentes, com senhas ou com autorização para que os pesquisadores fossem pessoalmente até sua mesa para autorizar transações. Um documento interno da universidade endossava a prática, incluindo o item “guarda e manuseio dos cartões”.
No depoimento, ela afirmou: “Não estou falando que eu estou isenta de tudo, mas do jeito que estão falando eu teria muito mais do que tenho hoje. (…) O que me irrita é que eles sabem como eu pagava, o jeito que pagava, tudo que eu fazia. Nunca escondi nada. Aí agora juntou 50, 80 pessoas contra mim”.
Ligiane ainda relatou casos de uso indevido de recursos por parte dos próprios docentes, que teriam solicitado reembolsos para itens de uso pessoal, como luminárias:
“Abajur”, especificou.
Apesar de ter identificado desvios, a Unicamp decidiu arquivar a sindicância interna inicialmente aberta, sob a justificativa de que os prejuízos estavam sendo cobrados diretamente dos pesquisadores pela Fapesp.
A fundação, por sua vez, ajuizou 34 processos contra docentes responsáveis pelos projetos de pesquisa, cobrando o ressarcimento de valores que, em algumas sentenças já concluídas, chegaram a mais de R$ 200 mil.
Um levantamento da Fapesp apontou que o total desviado ultrapassa R$ 5,3 milhões. A ex-servidora teria movimentado pessoalmente mais de R$ 5 milhões desse montante, por meio de 220 transferências, sendo aproximadamente 160 diretamente para sua conta. Três empresas — uma delas registrada em seu nome — também foram utilizadas no esquema.
Segundo a Fapesp, os desvios foram planejados, com o uso de notas fiscais frias. Já os pesquisadores, ainda que não tenham agido de má-fé, teriam sido negligentes ao permitir que Ligiane operasse as contas sem a devida supervisão, infringindo normas da própria fundação.
A ex-servidora deixou o país em 19 de fevereiro de 2024, pouco após o esquema vir à tona. O Ministério Público pediu a prisão preventiva e o levantamento de seus dados bancários e fiscais.
Além de investigar a conduta de Ligiane, o MP questiona a postura da universidade e o papel dos docentes no caso. Para o órgão, houve falhas graves de controle e possíveis conivências. Documentos mostram que professores chegaram a entregar senhas e autorizações bancárias, o que pode ter facilitado as fraudes.
O parecer do MP sobre o caso é categórico: “Outrossim, há necessidade de melhor esclarecer os fatos em relação às condutas praticadas pelos docentes, diante dos indícios de que também teriam participado da fraude – ou dela se beneficiaram, o que é corroborado pelos documentos remetidos pela representada”.
O que diz a defesa
O advogado Rafael de Azevedo, que representa Ligiane, afirma que os pagamentos realizados por ela ocorreram com pleno conhecimento de docentes e da própria universidade. Ele alega que a falta de fiscalização contribuiu para os problemas.
“O que ela fazia, sim, era repassar os valores para a sua conta, para realizar os pagamentos, tanto que tem uma situação que ela até relata no depoimento, de que havia uma reforma para ser feita no telhado do instituto e que isso não poderia ser custeado com a verba da pesquisa. Eles pediram para dar um jeito, emitir uma nota, ver uma situação que consiga adequar para que esse pagamento seja feito. Os próprios pesquisadores, professores, passavam e isso tinha a sabedoria, tinha o conhecimento de todos ali dentro”, afirmou.
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