Graduanda em Direito, Mari Ferrer apresenta TCC inspirado em sua denúncia de estupro
Sete anos após relatar ter sido estuprada, a jovem concluiu a graduação com trabalho que critica falhas institucionais e defende os direitos de vítimas

Atenção: a matéria a seguir traz relatos sensíveis de agressão e abuso sexual e pode ocasionar gatilhos sobre estupro, violência contra a mulher e violência doméstica. Caso você seja vítima deste tipo de violência, ou conheça alguém que passe ou já passou por isso, procure ajuda e denuncie. Ligue para o 180.
Sob aplausos e emoção, Mariana Ferrer apresentou, nesta quarta-feira (2/7), o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que marca uma parte concluída de sua graduação em Direito. O tema escolhido foi: “Estupro simbolicamente como crime de guerra à luz do caso Mariana Ferrer: o legado no avanço ao direito das vítimas e seu impacto na sociedade”. Com base em sua denúncia de agressão sexual registrada em 2018, a jovem escreveu uma monografia sobre os direitos das vítimas e do bem comum, em prol de uma sociedade mais justa e equitativa.
Durante a apresentação, a qual a reportagem do portal LeoDias foi convidada a assistir, Mari foi enfática: “A vítima nunca acusou o réu. Ela foi dopada e estuprada”. A fala direta de Ferrer buscou expor lacunas estruturais no sistema de Justiça brasileiro e apontar omissões no processo que envolveu seu caso, em que o réu foi absolvido.
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A banca avaliadora contou com nomes de peso, como a ministra Maria Elizabeth Rocha, presidente do Superior Tribunal Militar (STM) e coorientadora do trabalho; o defensor público do Distrito Federal e professor Dr. Reinaldo Rossano Alves; a delegada aposentada do Distrito Federal e professora Dra. Eneida de Britto Taquary; e a mediadora especialista em Resolução de Disputas e advogada Dra. Catharina Orbage de Britto Taquary Berino.
Também marcaram presença a juíza auxiliar do CNJ, Luciana Rocha; o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta e a esposa, a advogada Diana Cazetta; além de representantes do movimento feminista, do meio artístico e jurídico, como Vanja Andréa Santos, presidente da União Brasileira de Mulheres; a artista plástica Irany Vidigal Poubel e a ativista social Maria da Penha, que originou a lei que estipula punição adequada e coíbe atos de violência doméstica contra a mulher.
Em entrevista exclusiva ao portal LeoDias, Mari reforçou o aspecto pessoal e político do trabalho. Segundo ela, o título tem relação com o diagnóstico que recebeu de psiquiatras: “Esses profissionais me falaram que os sintomas apresentados, comuns na grande maioria das vítimas de estupro, são comparáveis aos vivenciados por militares que retornam de cenários de guerra. As sequelas não se limitam à esfera emocional da vítima, mas também se manifestam fisicamente, ultrapassando o emocional da sobrevivente”.
Questionada sobre o principal desafio para o cumprimento da Lei 14.245/21, a Lei Mariana Ferrer, ela afirmou: “Mais do que cumprir um protocolo, trata-se de reconhecer a vítima em sua integralidade, resguardando sua dignidade e garantindo que seja tratada com respeito desde o primeiro atendimento. A formação e a capacitação de profissionais para lidar com denúncias de crimes sexuais é outro ponto sensível, já que, a justiça precisa ser instrumento de reparação e não de revitimização”, disse, denunciando a ausência de formação adequada de profissionais.
Outro ponto levantado foi a importância do conhecimento dos direitos das vítimas entre servidores públicos e cidadãos. Mari defende campanhas permanentes, incluindo em escolas e faculdades, e o fortalecimento dos canais de denúncia: “O desconhecimento da Lei Mariana Ferrer, por parte de quem procura ajuda e também dos que prestam o atendimento, é um obstáculo ao pleno funcionamento da legislação e viola frontalmente a nossa Constituição Federal”.
Ainda conforme Mari, o processo de elaboração do trabalho foi “sereno”, já que tinha o desejo de mostrar às pessoas o que, de fato, aconteceu: “É como se eu estivesse sufocada e escrever me desse fôlego novamente. Já a pesquisa realizada foi enriquecedora, pude me aproximar de doutrinas, jurisprudências e artigos que engrandeceram a minha bagagem acadêmica. O difícil foi de fato finalizar a minha monografia, corrigindo e analisando possíveis erros gramaticais e de formatação. A necessidade em estar relendo por inúmeras vezes trechos doídos e aterrorizantes mas necessários, me fez adoecer”, desabafou.
Ao ser perguntada sobre o que diria a outras mulheres que passaram por situações semelhantes, Mari respondeu com sensibilidade: “Se eu pudesse olhar nos olhos de cada vítima que viveu, ou ainda vive, o horror da violência, diria antes de tudo: a sua verdade é suficiente. Nós não precisamos da validação do Estado nem do silêncio cúmplice dos processos para saber o que nos atravessou. Não buscamos a confirmação de delegados, juízes, instituições. O que queremos, com a profundidade de quem teve a alma arrancada, é justiça, é que aquele que agrediu responda pelo que fez, sendo devidamente condenado. Isso não devolve o ontem, mas planta sementes para que amanhã seja menos cruel para quem vier depois de nós. E se você ainda está aqui, lendo estas linhas, viva, mesmo que sangrando, isso é resistência”.
Ela também ressaltou que denunciar é um ato de coragem, mas não deve se tornar uma sentença contra si mesma. Para isso, destacou o papel de redes de apoio e instituições como o Instituto Pró-Vítima e a iniciativa “Defenda-se”.
Um futuro guiado pela justiça
Visivelmente comovida, Mari afirmou no momento da justificativa da monografia: “Tento falar em terceira pessoa, mas eu sou a vítima. Comecei a faculdade com um propósito. É um desabafo e uma forma de mostrar a realidade de todas as vítimas de violência sexual. Nós podemos denunciar e ter uma vida depois do crime”.
A presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha e outros membros da banca elogiaram a consistência técnica e a coragem da apresentação. Já a ativista Maria da Penha falou durante vídeo chamada ao vivo, destacando a importância simbólica do momento: “Meu nome vocês já sabem. Tenho a honra e o peso de carregar o nome que se tornou símbolo contra a violência doméstica. Sofri duas tentativas de feminicídio por quem dizia me amar. Só depois de duas décadas, conseguimos fazer com que o estado brasileiro reconhecesse sua omissão. Tive o prazer de conhecer a Mariana numa chamada de vídeo, e teve sua trajetória interrompida por um episódio brutal de violência sexual. Mariana foi humilhada, constrangida e revitimizada. Se a lei tivesse sido cumprida, ela não teria sido vítima daquela barbárie. A justiça pode ser conquistada com coragem, rede de apoio, denúncia e mobilização”, disse a figura por trás da Lei 11.340.
Em seu trabalho, Mari revelou ter construído uma linha do tempo minuciosa do caso e apontou que testemunhas fundamentais foram deixadas de fora, ou seja, que houve uma tentativa de inverter os papéis de vítima e réu, como comparou com o caso envolvendo Johnny Depp e Amber Heard.
Ao final, a banca examinadora reconheceu o trabalho da estudante e deu nota 10 à monografia. Com a apresentação adiantada, agora, Mari segue o curso, rumo ao 10º período da faculdade e conclusão final para alcançar o grau de bacharel em Direito.
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