Câncer colorretal, que matou Preta Gil, avança entre jovens e acende alerta
Uma análise do Instituto Nacional de Câncer (Inca), feita pela pesquisadora Marianna Cancela, revela que a taxa de incidência do câncer colorretal vem aumentando em todas as faixas etárias no Brasil

A morte da cantora Preta Gil, aos 50 anos, por complicações decorrentes de um câncer colorretal, colocou em evidência uma preocupação crescente entre médicos: o aumento expressivo dessa doença em pessoas com menos de 50 anos. O diagnóstico da artista foi feito em 2023, quando ela tinha 48 anos. As informações são da BBC News.
Especialistas entrevistados pela BBC News Brasil têm soado o alarme com termos fortes como “Assustador”, “Preocupante”, “Problema global” e “Alerta mundial”. Esses são os adjetivos que vêm sendo utilizados por profissionais de saúde para descrever o avanço desse tipo de câncer na população mais jovem.
Embora historicamente a doença afetasse em sua maioria indivíduos acima dos 60 anos, uma nova realidade tem se desenhado: cada vez mais jovens recebem o diagnóstico de tumores no intestino grosso e no reto, o que tem preocupado autoridades sanitárias em diversos países.
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“Se você comparar os números atuais com a taxa que tínhamos há 30 anos, alguns trabalhos chegam a apontar um aumento de 70% na incidência de câncer colorretal em pacientes jovens”, afirma o oncologista Paulo Hoff, presidente da Oncologia D’Or, a BBC News.
Diante dessa mudança, os Estados Unidos anteciparam de 50 para 45 anos a idade recomendada para exames preventivos. No Brasil, embora ainda sem diretrizes semelhantes, especialistas já detectam uma tendência preocupante.
O retrato do Brasil
Uma análise do Instituto Nacional de Câncer (Inca), feita pela pesquisadora Marianna Cancela, revela que a taxa de incidência da doença vem aumentando em todas as faixas etárias no país.
Segundo Cancela, entre homens de 20 a 49 anos, a taxa passou de 5 para 6 casos por 100 mil habitantes entre 2000 e 2017, o que é considerado relevante estatisticamente. No caso das mulheres jovens, o crescimento é perceptível, mas ainda não atinge o mesmo nível de significância.
Mais preocupante ainda é a projeção de que, entre todos os tipos de câncer, o colorretal será o único com tendência de aumento na mortalidade até 2030. A pesquisadora chama atenção para esse dado: “A única exceção da lista é justamente o câncer colorretal, que possui uma previsão de crescimento nos óbitos no futuro, tanto para homens como para mulheres.”
Outro estudo conduzido por ela revelou que esse tipo de tumor já ocupa posição de destaque entre os que mais causam perda de anos de vida produtiva no país, tanto entre homens como entre mulheres.
Realidade nos hospitais
Hospitais de referência também vêm registrando aumento no número de pacientes jovens. No Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, por exemplo, os dados indicam crescimento constante.
“Em 2019, publicamos um trabalho em que mostramos claramente um aumento substancial na chegada de pacientes mais jovens com câncer colorretal”, explica Paulo Hoff.
“Num período de 10 anos, essa elevação tinha sido na ordem de 15%. Mas é muito provável que esse número esteja subestimado.”
Na rede Oncoclínicas, o médico Alexandre Jácome também identificou variações no padrão dos diagnósticos:
“Nós não encontramos um aumento significativo da incidência desse tumor nos pacientes jovens em paralelo a uma estabilização entre os mais velhos, como acontece nos EUA.”
Ainda assim, ele reforça que o tema exige monitoramento constante e possível reavaliação das estratégias de rastreamento no Brasil.
Por que isso está acontecendo?
Os motivos para o aumento de casos em jovens ainda não estão completamente definidos. No entanto, alguns fatores são considerados prováveis pelos médicos.
“Existem algumas hipóteses e teorias, mas nenhuma delas foi confirmada até o momento”, pontua Hoff.
Ele destaca transformações profundas no estilo de vida moderno como um possível agente por trás do problema:
“A primeira delas está relacionada à mudança dramática que ocorreu nas últimas décadas, em que nós saímos de uma civilização agrária e rural para uma sociedade predominantemente urbana. Isso alterou vários aspectos da vida, com o avanço de uma dieta baseada em produtos ultraprocessados, com menor presença de alimentos naturais, e mais sedentarismo.”
Samuel Aguiar Jr., especialista do A.C. Camargo Câncer Center, vai além:
“Se essa hipótese se confirmar, estamos diante de um quadro alarmante, uma vez que os produtos industrializados se tornaram a base da alimentação moderna, inclusive da merenda escolar das crianças.”
Outros fatores também são investigados, como obesidade, uso excessivo de antibióticos e até práticas da agropecuária moderna.
“Também não podemos descartar o impacto de algumas práticas, como o uso indiscriminado de antibióticos, seja diretamente para tratar as pessoas ou na produção pecuária, em aves e bovinos”, observa Jácome.
Como se proteger
Diante da escalada de diagnósticos, autoridades de saúde têm revisto suas recomendações. Nos Estados Unidos, a triagem com exames foi antecipada para os 45 anos. Já no Brasil, embora ainda sem um programa oficial, o Inca discute uma estratégia nacional.
“Eu sei que essas discussões estão ocorrendo, porque temos notado um aumento na incidência e uma necessidade de rastreamento”, diz Cancela.
Entre os exames disponíveis, estão o teste de sangue oculto nas fezes e a colonoscopia. O primeiro é simples, barato e pode ser feito anualmente. Já a colonoscopia, considerada o “padrão ouro”, permite a visualização direta e retirada de lesões suspeitas — mas exige preparo, sedação e tem menos disponibilidade.
“É praticamente impossível para qualquer país do mundo implantar um programa de rastreamento do câncer colorretal baseado apenas na colonoscopia”, argumenta Hoff.
Aguiar Jr. sugere uma abordagem em etapas:
“Em média, 5% da população vai ter algum achado no exame de sangue oculto nas fezes e precisará de uma colonoscopia. Ou seja, essa estratégia é capaz de adiar esse segundo exame para os 95% restantes.”
Perspectivas mais positivas
Apesar dos alertas, o cenário atual também traz avanços importantes no tratamento. A detecção precoce aumenta substancialmente as chances de cura.
“Quando esse tumor é detectado precocemente, as chances de cura ultrapassam os 95%”, garante Hoff.
Mesmo nos casos em que o câncer se espalha para outros órgãos, o panorama é bem mais promissor do que há algumas décadas:
“Mesmo quando não é possível buscar a cura, a expectativa de vida do paciente com esse tumor é de três a quatro vezes mais alta do que tínhamos há 20 anos.”
“Nos anos 1990, ter o diagnóstico de câncer colorretal metastático era praticamente uma sentença de morte. Hoje temos um número considerável de pacientes que se curaram. Há uma mudança total de perspectiva”, completa.
E o recado final é claro: sinais de que algo não vai bem no intestino não podem ser ignorados, mesmo entre os mais jovens.
“Se você está com sangue nas fezes, apresenta alguma alteração no ritmo intestinal, sofre com cólicas abdominais ou qualquer outro incômodo no sistema digestivo, é importante procurar um médico e investigar”
“Esses sintomas não devem nunca ser negligenciados — mesmo que você seja jovem”, finaliza Aguiar Jr.
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